quarta-feira, 7 de março de 2018

Comissão da CNBB divulga Carta aberta à sociedade após missão na fronteira Brasil-Venezuela


A Venezuela enfrenta uma violenta crise política, econômica e social que avança e se configura como uma grande crise humanitária, já comparada em números e forma com a crise humanitária da Síria. O êxodo dos venezuelanos afeta diretamente o Brasil, de maneira especial dois estados: Amazonas e Roraima.

Pela proximidade das fronteiras, os imigrantes entram no país pelo município indígena de Pacaraima, em Roraima, cuja população local não ultrapassa os 12 mil habitantes. De lá, uma boa parte segue para Boa Vista, a menor capital em número populacional do Brasil.

Fome, famílias e mulheres grávidas vivendo nas ruas, desnutrição, crianças fora da escola, insalubridade nos abrigos, e xenofobia, esta é a condição dos imigrantes que estão vivendo precariamente no norte do país.

As necessidades básicas dos imigrantes que atravessam a fronteira diariamente vão desde alimentação, medicamentos e abrigo, até o acesso aos procedimentos burocráticos necessários para obter documentos provisórios. Em Boa Vista, eles formam longas filas em frente à sede da Polícia Federal para pedir o status de refugiados e conseguirem os documentos para trabalhar legalmente no Brasil.

Atenta a essas realidades, a Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizou entre os dias 1 a 4 de março de 2018, nas cidades de Boa Vista e Pacaraima (RR), a missão “Fronteiras Brasil/Venezuela”, da qual a Cáritas Brasileira também participou.

Na carta divulgada, o grupo fala da situação dos imigrantes venezuelanos que neste momento precisam de tudo, desde itens básicos de alimentação, higiene e saúde, até emprego e condições dignas de abrigamento ou moradia: “Esse cenário tão desolador nos interpela para ações e posicionamentos pessoais e coletivos de acolhida, solidariedade e incidência política de forma articulada em âmbito local, estadual e nacional. Por isso, em nome da CEPEETH fazemos um veemente apelo às igrejas e à sociedade a uma maior solicitude para com estes nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados”. Diz um trecho da Carta, que também aponta para iniciativas coletivas ou individuais.






Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)



Leia na íntegra a Carta divulgada após a missão:



Boa Vista – Roraima, 04 de março de 2018


Carta à sociedade Brasileira

“Eu vi a opressão de meu povo, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos” (Ex 3,7-8).

Nós, integrantes da Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizamos entre os dias 01 a 04 de março de 2018, nas cidades de Boa Vista e Pacaraima (RR), a missão “Fronteiras Brasil/Venezuela”. A mesma teve como objetivo conhecer in loco a situação que envolve a imigração atual na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, em especial para verificar a ocorrência do tráfico humano e ser presença solidária e profética.

Foram realizadas visitas na fronteira Brasil/Venezuela, nos abrigos dos indígenas Warao em Pacaraima e Pintolândia, e Tancredo Neves em Boa Vista, abrigo para os venezuelanos; audiências com a Policia Federal e com a Governadora do Estado; reuniões com os bispos de Roraima, dom Mário Antônio Silva e o bispo de Santa Elena de Uiarén-Venezuela, dom Felipe González González e com o Pároco da Igreja Sagrado Coração de Jesus em Pacaraima, padre Jesús López Fernández; com as Pastorais Sociais, o Comitê Estadual de Enfrentamento a Exploração Sexual e Tráfico de Pessoas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e outras organizações da Sociedade Civil. Infelizmente não conseguimos diálogo com a prefeita do município de Boa Vista.

Participamos, ainda, de entrevistas em programas de rádio e televisão. Na oportunidade, celebramos com as comunidades da Paróquia Nossa Senhora da Consolata e da Catedral de Cristo Redentor.

Essas atividades nos colocaram em contato com uma realidade cruel e desumana que grita por respostas rápidas, eficazes e articuladas das igrejas, do estado e da sociedade em geral.

Nossos olhos viram: longas filas de imigrantes e refugiados em busca de documentação, transporte, alimentação e trabalho; crianças famintas, desnutridas, doentes, sem escola; juventude desocupada e sem perspectiva de futuro, exposta à drogadição e todo tipo de vulnerabilidades; mulheres vítimas da violência, da exploração sexual e do trabalho laboral; pessoas inescrupulosas explorando a miséria dos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados no trabalho e alterando os preços dos alimentos e outras mercadorias. Impressionou-nos sobremaneira a visita ao abrigo Tancredo Neves, o “Tancredão”, pelo estado de total abandono e degradação da dignidade humana.

Nossos ouvidos ouviram: lamentos de dor e denúncias de situações graves de violação dos direitos e falta de políticas públicas elementares como alimentação, saúde, higiene, segurança, educação; denúncias de violência policial, violência contra a mulher, exploração sexual e do trabalho, tráfico de drogas e de pessoas e de completa omissão do poder público.

Nosso coração sentiu: profunda indignação diante dessa desumana e injusta realidade ao constatar a ausência e descompromisso dos poderes constituídos em dar respostas; de averiguar que a preocupação com a beleza das praças tem mais importância que o cuidado à pessoa humana; de escutar expressões discriminatórias em relação aos migrantes e refugiados e de entender o quanto nos falta para viver o Projeto de Deus que nos faz todos irmãos e irmãs.

Em meio a esta gritante realidade também vimos e ouvimos com alegria e esperança muitas ações fraternas e solidárias de pessoas, famílias, grupos, igrejas e instituições da sociedade civil; apoio de instituições internacionais e uma grande abertura e dedicação da Igreja local assumindo de forma prioritária o serviço aos imigrantes e refugiados.

Esse cenário tão desolador nos interpela para ações e posicionamentos pessoais e coletivos de acolhida, solidariedade e incidência política de forma articulada em âmbito local, estadual e nacional.

Por isso, em nome da CEPEETH fazemos um veemente apelo às igrejas e à sociedade a uma maior solicitude para com estes nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados. Nesse sentido conclamamos a todos para:

- Maior sensibilização e envolvimento com esses nossos irmãos e irmãs, através de práticas de serviços voluntários;

- Participação efetiva e generosa na campanha de solidariedade da CNBB em favor dos imigrantes e refugiados venezuelanos;

- Mobilização e incidência política junto aos órgãos públicos, nacionais, estaduais, municipais para que assumam seu papel de viabilizar as políticas públicas e a garantia dos direitos desses nossos irmãos e irmãs;

- Realizar e/ou participar de campanhas educativas permanentes sobre migração e tráfico humano no conjunto das organizações das igrejas e da sociedade.

A Palavra de Deus, ao afirmar que “somos todos irmãos e irmãs” (cf Mt 28,7) nos impele a vivermos a fraternidade como caminho de superação de todas as violências e desigualdades. Reconhecemos e agradecemos a grandeza de espírito das muitas pessoas que, sensíveis às dores desses nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados, já estão dando sua contribuição.

Que Nossa Senhora Aparecida interceda junto a Deus por todos/as a fim de que nos empenhemos firmemente nessa missão de “acolher, proteger, promover e integrar” nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados em nossa pátria.

Dom Enemésio Lazzaris

Bispo de Balsas (MA)

Presidente da Comissão Episcopal Pastoral Especial
para o Enfrentamento ao Tráfico Humano/CNBB
Por Jucelene Rocha

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